sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Do amor e do Vício

IV

Não coma apenas para saciar a fome
Coma também para saciar a gula
Para saciar o tempo, a ansiedade
E sobretudo o desejo do sabor
E da mistura
Agora, se comer para saciar a fome
Põe-se certo de que tem fome
E sente queimar o vazio dentro de ti
Sofre com ele para depois saciá-lo

Coma somente o que lhe apetece
Não coma ou escolha alimentos
Para ser educado ou por razões sociais
Se não tem fome, convicto diz
Se não deseja determinado alimento
Humilde admite
E ninguém terá o direito de admoestar-te
Por isso

Não sê preconceituoso nem fresco
Para com teus alimentos
Não rejeite tal ou qual
Por ter esse ou aquele gosto ou textura
Os alimentos, muito mais generosos
Que as mulheres, se entregam
Sem qualquer interjeição quanto
A quem veio antes, depois ou conjunto
Compreende que cada um tem seu mistério
E sê prestativo a degustá-lo com cuidado

Se estiver completamente sozinho
Desesperado por quem não te ama
Coma tudo quanto pode, se possível
Alimentos doces, sorvete, chocolate
Não tem medo de engordar
Nem do que dirão
Coma pela mais pura necessidade
De fazer algo
Quando não há mais o que se fazer

Agora se for comer o que foi cozinhado
Pela pessoa amada
Reza para que ela te ame tanto quanto diz
Ou que seja exímia cozinheira
Ou você se sentirá irremediavelmente
Compelido a mentir

Coma o alimento por si
E não pelo que ele te causa
Assim, coma a espinafre pelo amargo,
O liso e o suave viscoso dela
Não pela saúde que promete
Da mesma forma, não teme a feijoada
Seu quente, seu mole, seu caldo grosso
Seu sabor salgado de carne
Apenas pelas horas que com certeza
Gastará depois no banheiro
Não sê medroso assim

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Conselho de hoje, quarta feira, 24/09/08

Esse não é um poema do trabalho, mas "fui acometido por uma vontade de escrever não sei quê" então aqui vai o conselho.

Perca a hora sempre
Principalmente quando não puder
Os compromissos se rearranjam
Mas a sensação - ainda que pueril
De que se pode subjulgar o tempo
Ao teu designo
Vale qualquer atraso

Digo mais, quando encontrar
Teu compromisso
Teu humor e tua disposição
Estarão tais
Que ele se impressionará
Pela tua maravilhosa presença
De espírito
E nem dará pelo atraso
Qualquer um esperaria para ver alguém
Corajoso o suficiente para desafiar o tempo

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Do Amor e do Vício

III

Fume para escapar de qualquer pensamento
Desses que nos invadem sempre fora de hora
E nos incomodam com cimento nos lírios
Fume para não dormir, fume para não pensar
Fume para não precisar saber onde pôr os braços
Ou como abrir a boca, ou como se aproximar
Da moça bonita ali na esquina
Fume para ser mesmo sem saber
Como se é

Se possível tenha grandes períodos de abstinência
Entre um cigarro e outro
A falta da fumaça sempre a torna mais bonita
Claro que a noção de grande período é relativa
A minha é semanas, meses
Se a tua for horas, minutos, segundos
Mal nenhum

Não brinque com o cigarro nos dedos
Não engasgue quando for tragar
Não esparrame a bituca ou queime alguém
Com as cinzas
Trata o cigarro como uma extensão da mão
Sua fumaça como oxigênio
Seus restos como os teus

Não tenha medo de reservar um tempo
Apenas para fumar
E quando esse tempo vier fume muito
Tanto quanto teu bolso e pulmões permitirem
Não compre carteiras com filtro
Não disfarce nem perfume teu cigarro
Ele não merece
Aceita a ardência e o amargo do fumo
Como reflexo da ardência e do amargo
Da alma. Se não pode fazer isso
Não fume

Evita fumar perto de quem não aprecia
Ou em lugares onde não é desejado
A depreciação do cigarro
Tira todo o prazer do fumo
Agora, caso deseje fumar como protesto
Estufa o peito e, olhos nos olhos
Sopra a fumaça na cara do vilão
Sem deixar dúvida que é de propósito
Depois apaga e vai embora
A última baforada é sempre sinal de vitória

Pratica coisas divertidas com o cigarro
Como fazer rosquinhas de fumaça
Ou falar com ele entre os dentes
São tão úteis socialmente
Quanto é possível ser útil uma coisa inútil
E se possível não fume antes nem depois de amar
Mas se não houver jeito, ama com maior
Intensidade que a cinza queima, mostra
Teu fogo maior que qualquer fumaça

sábado, 13 de setembro de 2008

Do amor e do Vício

II

Escolha sóbrio o que vai beber
E tente não mudar a escolha muitas vezes
No decorrer da noite
Para as conversas intermináveis de mesa de bar
Tome cerveja. É barato e não tomba ninguém

Para os jantares românticos escolha um vinho
Repara que o encanto do vinho
Não é o preço nem o gosto
A graça do vinho é o tinto. E todos eles são assim
(de preferência com um queijo e um pão português,
Seja ele qual for)
Para comemorações abra uma espumante
E não tenha receio de banhar quem ama
Numa boa espumante

Não aconselho Vodka, Uísque, Saquê ou similares
A menos que sejam oferecidos
Não se presta confiar em bebidas estrangeiras
Se conseguir não misture. Muito
Não procure no álcool o sabor
Procure no álcool o próprio álcool
E se isso não bastar não tome

Mas quando o coração doer de não ter jeito
Ou a solidão for mais forte que a vontade de viver
Aí não tem remédio, procura qualquer boteco
Se possível um com banheiro
E beba toda cachaça que aguentar
Quando um amigo de muito está sofrendo
Ou quando um grande amor morreu
Vá um boteco, qualquer um mesmo
E só tome aguardente
Até arder, até dormir

Até

Aviso aos navegantes

Conselhos é um trabalho de 18 poemas divididos em quatro cantos. Poemas novos aos sábados, sempre que possível antes das 10:00.

Descobri fazendo as contas hoje que o último poema seria postado dia 03 de janeiro de 2009. Ou seja, o fim do trabalho coincide com o fim do ano! Achei isso tão bom que mudei as datas das duas últimas postagens para os dias 25/12 e 1/1, natal e ano novo - o desarranjo é pequeno e fica mais poético o fim do trabalho coincidir com o começo de um ano.

seguem os conselhos

sábado, 6 de setembro de 2008

Do amor e do Vício

I

Ame, mas nunca com moderação
Estudar e trabalhar, vá lá
Que se faça com certo comedimento
Mas amar nunca
Também aconselho que nunca
Se durma, coma, fume ou beba
Com qualquer contensão
Se estiver disposto a praticar qualquer uma
Dessas atividades, pratique à farta
Sem qualquer controle de teu vício
Ou vício não será

Quanto à escolha dos vícios
Se possível escolha o amor
E se possível que seja só um
(vício, não amor)
Posto esse ser o mais saudável
Mas não sendo possível
Encontre amor em cada vício
Em cada copo, em cada fumo e em cada carne
E encontre alguém com o mesmo vício
Para passar o resto da vida

Male má já é algum amor

Claro que não espero que controle teus vícios
Nem em sua natureza nem em sua quantidade
Espero ao menos que se mantenha firme
Na força e na dedicação ao teu vício
Não deixe nada aos vermes
Não faça a eles este favor
Que seja majestosa a tua podridão