segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Do amor e da Mulher Amada

III

Tem cuidado com o dinheiro
Se possível corta-o
De qualquer comunicação que tiverem
Sê com ela da forma como é sempre
Se quiser oferecer-se para pagar
Não aceita não por resposta
Se não tem diz logo e sem desculpas
E se ela oferecer-se a pagar
Decide, mas decide com cautela
Jamais pede
E se ela pedir que você pague o dela
Em qualquer ocasião
Vire as costas, vá embora e não retorne
Até que ela, humilde, se redima

Jamais a amarre, ou solicite sua presença
Entenda claramente que assim como você
Vai a ela sempre que a deseja
Ela virá a você da mesma forma
Não a impeça de ter outros, mas morra de ciúmes
Se acaso a vir tocar ou acariciar outro homem
Com essa ou aquela intenção
Que você julgava ser tua
Não tem medo de lutar pela mulher amada
Mas evita disputá-la em jogos
Lutar por um amor é diferente de apostá-lo

Não importa se ganha ou se perde
O que interessa é o extremo a que se presta o seu amor
E se ela partir de não der volta
Ou se você, por qualquer motivo
Ver-se obrigado a ausência
Não exige submissão ou fidelidade
Deixa-a livre para que quando voltares
Ela tenha descoberto pela experiência
Que não existe amor maior que o teu
E se assim não suceder no reencontro
Azar

Não importa quanto a ame
Ou quão apaixonado esteja
Jamais se declare, nunca
A deixe saber que você existe
Única e exclusivamente pra ela
Ou que ela é dona de seus sonhos
Ou que manda em seus pensamentos
Todas essas verdades serão muito úteis
Para conquistá-la de volta
Caso ela te deixe. Não as gaste
Enquanto a tem

Agora sim, quando ela o deixar
Rasteje sob seus pés, lamba seu sobejo
Declare tudo que jamais a deixou saber
Misture frases de filmes, refrões de músicas
Mas dê ênfase às suas próprias palavras
O faça em particular e em público
Se em particular baixinho, no ouvido
Se em público nos brados mais longos
O faça quantas vezes for necessário
Até convencê-la que a ama

Ah, por que você foi fraco assim
Assim tão desalmado
Ah, meu coração, quem nunca amou
Não merece ser amado

Do amor e da Mulher Amada

II

Encontre para ela um adjetivo novo
Sempre que a encontrar
O teor do adjetivo pouco importa
Pode ser gorda, feia, velha, usada
O que importa mesmo
É que todo dia você a ache nova
Diferente do que era antes
Para que ela sinta-se descoberta
Toda vez que te encontrar
Como uma pérola escondida na concha

Ainda que eu preze pela sinceridade
Aconselho prudentemente a intercalar
Os adjetivos sinceros com alguns pomposos
Linda, radiante, encantadora, divertida
Mesmo que não seja sempre honesto
Procure algo que você possa dizer
Com alguma dignidade. Ganham ambos
Você que a mantêm consigo
E ela que a mantêm contigo

Incomode, importune, atormente
Faça-se presente nos piores momentos
Apareça principalmente
Quando não é convidado
E falte ou atrase quando ela o espera
Isso te fará marcante, detestado, a encherá
De emoções fortes e arrebatadoras por você
Assim, logo após

Desculpe-se, redima-se, humilhe-se
Se necessário
Até que ela acredite que nada que você
Fez foi feito por mal, mas sim
Pela mais visceral necessidade dela
A atenção dela, a presença dela
A companhia dela, o tempo dela
Ela toda

Sê sincero, tudo que não gosta nela
Diga sem qualquer receio
Xingue se necessário, seja grosso
Dê cenas no meio da rua, fale alto
Embarace, humilhe, mas não minta
Os olhos de um apaixonado
Perdem todo brilho na mentira

E do que gostar não poupe elogios
Mas também não exagere
Ou parecerá falso
Espera o momento e a hora perfeita do elogio
Às vezes é na frente de muitos
Às vezes é longe de todos
Às vezes basta um suspiro
Ou até mesmo um olhar

Agora se possível intercala ambas
A sinceridade agradável da desagradável
Se exagerar na primeira ela saberá
A solidez de teus sentimentos
E não é prudente dar a qualquer mulher
Tal segurança. Se exagerar na segunda
Corre o risco de perdê-la

A insensatez, que você fez
Coração mais sem cuidado
Fez chorar de dor, o seu amor
Um amor tão delicado

Explicação

Primeiro me desculpem pela demora em postar os demais textos, muito acontecendo fora do computador, depois, com calma, ponho tudo dentro.

A carta foi escrita direto para o blog sem qualquer revisão e não faz parte do trabalho dos conselhos, embore eu acredite que possa perfeitamente dialogar com o mesmo.

Por uma questão de calendário, já que este blog pretende acabar junto ao ano, postarei dois poemas consecutivos, espero que gostem.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Carta ao Moribundo

Falecido,

Ouvi há pouco uma cantora dizer que tu vieste ao mundo para dar a esse uma lição de amor. E como precisamos dela hoje meu caro poeta. Tu morreste aos meus quatro anos de idade, se bem me recordo, e nesta época nada sabia eu de sua existência. Talvez eu tenha ouvido alguma música, é bem possível e espero que alegre teus santos saber que ela é pra ficar. Mas recordar não recordo.
Não conheci tua figura de homem, apenas tua figura de lenda; mas ouvi tua mensagem, e a ouço novamente tantas vezes quanto posso. Graças à Deus posso muito.
É, o mundo que vejo precisa demais duma lição de amor. E não pode ser pequena, tem que ser bem dada, tem que ser com sofrimento, como você sabia ensinar e ainda ensina em teus versos, em tuas músicas. As palavras que te dedico são digitadas, não sei se tu chegasse a fazer isso. É parecido com uma máquina de escrever, mas é bem mais fácil corrigir os erros. E eis aí o primeiro erro. O hábito de atropelar e esconder ou simplesmente deletar (uma palavra nova, significa apagar sem deixar qualquer rastro). Novamente, o hábito de atropelar e esconder ou simplesmente apagar os erros cresce a cada dia. Uma mania feia de felicidade perfeita, felicidade ideal. Estamos próximos do que a crê ser perfeição, e tem-se buscado isso com muito afinco. Pessoas ideais, amores ideais, sentimentos ideais. Você conheceu a televisão, mas acho que ignora a internet. Existem pessoas cada vez mais próximas da nossa privacidade nos dizendo o que queremos e vendendo justamente nossa maior necessidade.
Essa coisa de Internet é engraçada, ela é muito usada para nos aproximar das pessoas que julgamos ser aquelas que queremos perto e afastar as que estão perto deveras e ignoramos por nosso ideal. Outra coisa que anda supervalorizada: Nosso julgamento. Cada dia alguém se convence mais de que sua visão de mundo ou capacidade de julgamento é boa e correta. Não vejo mais pessoas cientes da própria ignorância. Todo dia morre um humilde. Como dirias tu: Que melancolia!
Bem, nessa história de aproximar quem está longe e afastar quem está perto com a internet tem gente sentindo tudo à distância. Palavras sinceras distantes, abraços sem braços, beijos sem bocas, expressões sem rosto, recados sem carteiro; mais - declarações sem olhar nos olhos e o pior - amor à distância do ser amado, por escolha! A fortuna nos desencontra tanto, e nós cada vez nos desencontrando por vontade própria. Creio até que a fortuna tem encontrado mais as pessoas com esperanças de que mudemos com seu exemplo.
E assim se tem vivido esse tempo de paz, como o sr. me disse numa música certa vez. Todos os nossos sentimentos estão protegidos pelas letras frias e a distância da tela. Os sentimentos andam fraco meu poeta. Estamos cada vez mais lógicos - Explicamos claramente nossas intenções, pomos termos e expomos claramente as condições de nosso amor antes e deixamos a mulher amada tranquilamente deliberar e ou modificar os termos supracitados. Enfim, reduzimos nossos sentimentos ao lógico, nosso amor ao compreensível, ao que cabe nas palavras que sabemos dizer, às negociações que podemos mentalizar. Reduzimos, em prol de nossa proteção, diminuimos para não sofrer nossa imensa capacidade de sentir. A única responsável pela nossa condição, a benção que Deus deu, arrependido por amaldiçoar-nos com a vida. Barganhamos nossos sentimentos, há sempre condições, há sempre termos, há sempre razões e motivos para sentir. Já fui tomado por porra loca incontáveis vezes no meu livre exercício de sentir livremente, sem maiores necessidades, deixando todas as consequências advirem dum sentimento. Simples, puro, ele mesmo.
E da tua lenda e das tuas músicas e de teus poemas eu criei minha fonte e norteei minha vida, moribundo duma figa. De agora em diante me comprometo a evocar teu santo todos os dias, depois de acordar e antes de dormir. Para que ele me acompanhe, me dê forças e permita mais uma vez, sem medo algum da cópia de estilo e intenção, chamar à minha boca as palavras de tua canção. Mais uma vez é preciso uma lição de amor, uma lição tão grande, um amor tão desesperado que toque o mundo, que toque toda e qualquer alma com medo de sofrer, pois prefiro morrer a viver neste mundo de medo. Meu peito bate apertado, e dói numa vontade seca de chorar sem lágrimas, meu poeta, quando penso nessa liberdade ao léo e tantos sem dar por ela. Tão sozinha!
Do momento presente para cada instante viverei de amor, unica e exclusivamente. E já dói, a simples perspectiva da empreitada é assustadora, desvairada. Mas ainda assim necessária. Ei de ser como tu, como ghandi, como Jesus, ei de amar, sofrer para amar, morrer para amar. Terei a fé, a fé maior que encaixa a tua vida na do próximo e o amor em tudo.
Com o coração espremido e as lágrimas roucas me despeço poeta, com tua benção, benção para chorar, benção para viver. Me despeço nestas palavras, pois minhas letras são uma forma minha de chorar. E que o amor preencha a minha vida e transborda pois que importa não é minha vida, mas a vida de minha irmandade e de minha prole, a vida de meus amigos e da gente nobre de peito, nobre por direito divino de ser pobre.

Amém e saravá meu amigo desconhecido e amado,

Diogo Marcos Testa

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Do amor e da mulher amada

 
I

Ao abraçar a mulher amada,
Seja capaz de suspendê-la do chão
E rodá-la até a tontura
Mas nunca fique tonto
Pois ela espera que você a leve aos ares
Enquanto se mantêm seguro
Para que quando aterrissar
Possa repousar tranquila em seus braços
Bamba das pernas e firme de sentimentos
Se você não souber que a ama
Ela jamais saberá

Se por algum motivo estiverem
Você e tua amada, meio à multidão
Não a deixa confundir-se nem misturar-se
Ergue-a por entre as coxas em seus ombros
E mostra que a mulher amada
É sempre uma entidade destacada
Que merece o pedestal de tuas espáduas
E a passagem da multidão

Portanto pensa bem e recomenda
Cautela quanto à altura de suas saias
Adverte-a, se for o caso
De que pode haver multidão e que a saia
Porá ambos em situação embaraçosa
Dito isso, nada contra um belo
Par de pernas desfilando pela rua

Se acaso estiver com amigos ou família
E ela te chamar
Manda que espere, manda que não durma
E bebe com os amigos, e fala com os parentes
E ama as amantes sem qualquer pressa
Agora quando acabar, pouco importa
Quão cansado, quão sujo ou quão longe
Esteja. Não importa também
Se você não é mais necessário
Vai direto para ela e não a deixa
Até ser perdoado
Toda mulher sabe admirar um homem
Preparado para não abandonar ninguém

Se lhe trouxer flores que sejam roubadas
A beleza da flor não está no enfeite
Nem na delicadeza, nem no perfume
Muito menos no preço
Está no fato de você ter se arriscado
Para ter em sua posse algo que não tem
Qualquer utilidade senão agradá-la
Compre flores apenas nos enterros
Um homem que presenteia uma mulher
Com flores do florista
Põe um preço em seu amor

Morda. Mas nunca com frivolidade
A mordida é por vezes mais importante
Que o beijo. Ao longo da vida
As mulheres esquecem-se dos homens
Que as beijaram. Mas nunca vi uma
Que se esquecesse dos corajosos
Os desesperadamente corajosos
Para, na angustia e abandono mais
Sublimes as morderem loucamente
Por puro desejo, pura necessidade
Sem qualquer razão para tanto

Traia. Muito. À farta, com quantas puder,
Quantas vezes puder e em
Todos os lugares em que puder
Trate a todas como à dona do amor original
Mas deixe que todos saibam
De quem é seu coração
Quanto à amada de verdade
Não conte vantagem, mas também não minta
Se ela perguntar, confunde entre tuas mãos
As dela e pede perdão, perdão apaixonado

Vai meu coração, pede perdão
Perdão apaixonado
Vai porque quem não pede perdão
Não é nunca perdoado

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Enfim do primeiro canto

Esses cinco poemas compõe o primeiro canto dos Conselhos - Do amor e do Vício, pois contemplam 4 de meus 7 vícios favoritos - Beber, fumar, comer e dormir. Ah, se vida se resumisse a isso!
Os próximos três cantos contemplam os três vícios que faltam, que pela maior abrangência obtiveram destaque - A mulher amada, a poesia e o amor. Espero que apreciem o que virá.

Do amor e do Vício

V

Em qualquer lugar dê vazão à teus desejos
Sob qualquer circunstância, se houver vontade
Durma. Não há qualquer vergonha nisso
Dormir é a necessidade mais natural do homem
E mal educado é aquele
Que perturba o sono alheio
Mais, digo até invejoso
O infame

Durma para ocupar o ócio
E durma para fugir ao serviço
Durma porque está cansado
E durma porque não fez nada
Durma porque acabou de amar
E durma para não se ver obrigado a recusar a mulher amada
Durma porque a tarde está quente
Ou porque está chuvosa
Enfim durma

Não seja exigente
Durma no chão, no chuveiro, na mesa
Principalmente se bêbado durma logo
Em um colchonete vagabundo
Uma cama de molas
Um colchão d'água
Ou o concreto da sarjeta
Durma em qualquer lugar
Com o mesmo prazer -
Entre dormir e acordar
O sono é sempre o mesmo

Agora cuidado, esparrama
Mas não meche em demasia
Ou quando acordar estará pior que quando
Foi dormir
Se roncar, ao menos adverte os desprevenidos
Antes
Prefira, claro, os encostos macios aos duros
Mas procure sempre certo equilíbrio
A sensação de acordar e não poder sair da cama
Tão mole
É semelhante a afogar-se

Cuidado com as janelas aonde for dormir
Se aonde dormir janelas houver
Dadas as circunstâncias
Pode acordar bronzeado
Ou encharcado
Reza por um sono pesado
Desses que se cair uma pedra na cabeça
Você não acorde
Antes um galo que um sono interrompido

Prefira não lembrar-se dos sonhos
Contenta-se em saber que os teve
E acordar com a estranha sensação
Que você voltou da realidade
E não para ela
Se lembrar-se dos sonhos
Pode achar que eles querem te dizer algo
E privar-se das próprias escolhas

Se possível, sempre que acordar
Tenha dormido cinco minutos
Tenha dormido dez anos
Sorri e lembra-se de tudo
Que passou para poder descansar
Procura alguma luz
Nem que seja para esconder-se
E pensa "Acordei. De novo"