sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Entrecantos

Neste espaço entrecantos, venho aqui orar

Senhor Meu Deus, vim ao mundo com o propósito de amar
Senhor Meu Deus - como temo, que medroso, que descuidado sou
Nesse propósito de amar!

E que frio gostoso, e medo/amor invencível
Impressionante embrulha meu estômago
E contorce meu semblante
Em risos, muitos, milhares
Gritantes. Que frio gostoso
A possibilidade de amar muito
E amar com o gozo

Livre e pleno de seu amor, Meu Deus
Tu que és todo amor, Tu que és meu Mestre
Se de teu exemplo tiro as forças para andar por entre espinhos
E romper em meio aos medos
E mesmo só não ser sozinho

Senhor, me encontro à beira do penhasco
Imensurável abismo
E único som possível é o salto
A queda imensa, assustadora descida
Ao amor que está embaixo, que é a quebra
O corte e o impacto. A amor que está
Que veio e que é
Barro

Senhor a queda, imensa
Será mais amor que jamais provei
Será desvario além das medidas
Além das lições dos homens
E da disciplina das formigas
Além do alimento das árvores
E dos namoros de amiga
Será amor pra se viver, amor pra se chorar
Amor pra se morrer, saravá!

Queria eu que tu me empurrasses, queria que tua mão
Fosse sólida e não amor, queria ir contra a vontade
Queria desculpas para arrepender-me
Queria lamentos para mais tarde
Queria poder conformar-me
E ser falso, e ser hipócrita
Como me convém a carne
Queria crer que posso fechar a porta

Mas tu puxas, tu permaneces
Envolta, manto soturno, Meu Deus
Me vela, me olha e me toca
Mas jamais da ladeira me joga

Apenas vê, amoroso espera, e ora
E na tua oração respiro fundo
Enxergo o vento, escuto o horizonte
Sinto nos pés a palpitação de vida
De cada instante
E mesmo certo que vou sofrer
E mesmo certo que vou chorar
Eu no caos, me convenço, que se não assim
Não vou viver, se não assim
Não vou amar

Licença aos que me lêem
Eu vou pular

domingo, 9 de novembro de 2008

pronto

em dezembro, o último canto, e tenho dito e pronto

Do amor e da Poesia

IV

Não se angustia pela poesia que não vira verso
Ama com intensidade e tudo que advir do teu amor
Será poesia
Parte será repartida do teu desengano para o papel
Parte para teus dedos, parte para teus olhos
Pedaços serão beijos mais poéticos que palavras
Nunca foram. Pedaços serão palavras
Que se perderão no vento
Não disputa tua poesia com o vento
Entende que ele engole
O efêmero, e deixa as ruínas de
Teus poemas para a eternidade

Não tenha vergonha
Da poesia do momento presente
Seja ela poesia de cozinha ou seja
Ela poesia de banheiro
Se não gozar da poesia de cada momento
Por completo
Jamais será capaz de dividi-la
Com o papel. Assim
Jamais poderá dividir
A poesia de teu momento presente
Com o mundo

Não faça versos por vaidade
Se tens vaidade e deseja
A acolhida pública
Escreve novelas, escreve quadrinhos
Não humilhe a poesia à tua necessidade
De aprovação
Não mostre teus versos, não comente
Mantêm eles quietos, submersos
Até o momento preciso
De presenteá-los àqueles que -
Você sabe - esperam ser tocados
Pelo vazio

Mata tua poesia antes de publicá-la
Mata todo o presente e deixa no verso
A possibilidade estática, fria
Para que o calor do presente do próximo
Possa aquecer teu poema
E ele se torne novo
Pelas mãos onde passar


Amém

Do amor e da Poesia

III

Sê tão sincero quanto pode quando escrever
Não importa se mentes ou para quem mentes
Quando escrever, não escreva por ninguém
Nem por si, assim não há a quem mentir
Não se prova nada num poema, não está lá
A resposta das coisas ou a revelação do mistério
No poema não se apontam caminhos
Ou se ensinam ofícios, o poema
Raramente é entendido por quem lê
Da forma como foi concebido por quem fez
Assim, ele pode ser integro e franco
Principalmente, você não terá que se enganar

Não importa quantas moças pensam ser únicas
Ou quantos sabem feitos que você não fez
Não faz diferença com quantas transou
Ou quanto fumou, ou quanto bebeu, ou
Por onde andou
Para teus versos
Importa apenas que seja sincero
Que os veja sem preconceitos, sem máscaras
Que não tenha nada em mente ao recebê-los
Para poder sentir o que dizem em essência
Ao escrever teus poemas
Não teme

Entrega teu ser a teus versos
Como quem se entrega nos braços da mulher amada
No mais completo desvario
Na mais completa ausência
Pela mais pura necessidade
E assim como não presta doar-se à mulher amada
Se não for por completo
Não corra para sua poesia para ser consolado
Não corra para sua poesia chorar lágrimas
Ou em busca de qualquer prazer
Doa-se a tua poesia por estar completo
Inteiro e pronto para ela

Do amor e da Poesia

II

Prefere escrever teus rascunhos a caneta que a lápis
Os rascunhos tem algo de verdadeiro
Que é preferível fixar na tinta
O mais importante de todo rascunho
É sua honestidade, sua vida pulsante
Seu imenso contato com o presente
É melhor fixar tanto quanto possível
O sentimento presente do rascunho

Com o tempo e as revisões
O rascunho será abominavelmente
Desfigurado pela estética
Semiótica, métrica e outros tantos
Nomes complicados
Assim como a semente que jamais lembra o fruto
Entretanto procura manter no resultado
A imensa força vital contida na semente
Ou ao olhar teus poemas
Verá velhos aduncos e rabugentos

Se quiser, sempre lamenta
Quando terminar uma revisão
E compara o poema
Nascido com o crescido
Repara, triste e austero
O quanto é preciso matá-lo
Antes de espalhar seus versos
Ao vento

Quando pegar um poema antigo para lê-lo
E souber que ele necessita de revisão
Mas sentir-se incapaz de esfaquear mais
O rosto que outrora era tão belo
Ou remodelar novamente seu corpo
Que anda tão duro
E era tão flexível
Entrega a um amigo ou a um editor
Que teu poema está pronto

E pronto nada mais é
Que estar morto

Nota

Peço perdão pela demora nas postagens, culpa minha

Do amor e da poesia

I

Não faça versos
Não sente em frente ao computador
Ou à mesa de trabalho
Encarando a tela vazia ou o papel em branco
Esperando versos
Eles não virão. Nunca
Versos não vem
Versos não vão
Versos são pedaços estáticos de tempo
Esquecidos no papel

Não pense no assunto de tua poesia
Não tente falar de flores
Não conta tuas aventuras amorosas
Não grita ao mundo teu desengano
Não descreve paisagem ou sentimento no poema
Não descreve, não escreve
Não rima, não versa, não lírico

Esqueça completamente da tua poesia
Para encontrá-la
Ora, peça, invoca, clama, chama, implora e
Espera

Paciente
Com
A
Cadência
Do
Mundo

Mostra-se disposto ao oferto pelo futuro
E não ao imposto pelo passado
E receberá o poema como
Jesus recebeu as chagas
Judas o seu destino
O mar vermelho os judeus
E a mãe concebe o filho
Após, basta guardá-lo consigo
Até estarem ambos suficiente
Mortos
Você para escrevê-lo
Ele para o suicídio

Erra por qualquer caminho. Mas não
Erra procurando o poema
Simplesmente erra pelo vento
Pela esquina, pelas casas antigas
Pela areia da praia, as praças do norte
Os mares do sul e tente sempre
Sempre
Errar por um beco
O motivo: não sei
Tenha fé

Fé em Deus, nos homens e no tempo
Sobretudo no tempo presente
Como me ensinaram Carlos e Fernando
Presta atenção em tudo
Na vida da mata e na morte do asfalto
Na sombra das árvores
No obscuro dos prédios
Na amplidão do mar
No cheiro do sal
No profundo do mangue

Observa
As cores das moças e rasgos dos jeans
Os bonés dos rapazes e fones de ouvido
Os bigodes dos cobradores de ônibus
Os vagabundos do Cais de Santa Rita
As Putas da Conselheiro
Os Travestis da Conde da Boa Vista
Os jovens no Bairro do Recife à noite
Ou nas praias de Boa Viagem à tarde
Ou no parque das Jaqueiras domingo

Mas sempre que sair
Não saia para encontrar nada disso
Saia para não saber, saia para ser incerto
Saia como a rede exposta
Que pega o que paira no ar
E não como a armadilha que espera a presa
Não tenha presa, não tenha pressa
Esquece completamente para quê saiu
Você saiu por sair

Ao voltar tome um banho
Longo - quente para relaxar
E depois frio para não dormir
E no caminho do banho lava a alma
E pensa em tudo que viu, em tudo
Que não sabia enxergar
E enxergou em meio ao vazio
À falta de preconceito, de procura, de resposta

Agora, se após o banho
Por acaso sentir uma vontade
Insaciável de repartir o vazio de si
Se um impulso incontrolável
De fazer não sei quê te assaltar
Não tem medo. Vá para a tela branca
Ou o papel vazio. Pega a caneta
Ou põe os dedos sobre o teclado
E observa
Lá estará um poema te esperando

Do Amor e da Mulher Amada

IV

Seja completo quando estiver com sua amada
Dê a ela toda a atenção que possui
Só ouça terceiros se ela calar
Só olhe pro lado se ele for indicado
E absorva na mais completa ausência
Cada gesto e cada olhar da mulher amada
Pois prova de amor maior
Que atender às palavras de uma mulher
É atender a seus sentimentos

Quando ela o quiser, mas não para o amor
Manda que ela procure um amigo
Diz, olhos nos olhos dela
Que não seria capaz de ouvi-la sem desejá-la
Que não poderia confortá-la senão com beijos
Que não saberia abraçá-la sem libido
Convence-a e a abandone para o bar
Mais próximo. Tome muito, mais do que pode
E volte correndo bêbado contá-la
Que se arrepende e que morre pelo som de sua voz

Isso é útil porque bêbado
Ela será complacente e você pouco ouvirá
E do que ouvir talvez não lembre
Se deus quiser

Mas quando amá-la derruba qualquer máscara
E não ofende nem elogia, aceita a mulher
Na mais abandonada necessidade
Mostra que não ama seu corpo
Tampouco ama sua voz, ou seus beijos
Deixa claro sua devoção à sua simples
Substância
Como quem seria capaz de amá-la
Fosse ela quem fosse
Posto que fosse ela

Quando amar que seja repleto de unha
E repleto de dente, que teu amor
Não envolva, mas rasgue
Não conforte, mas doa
Que seu calor queime
Que seus beijos sangrem
Que ame sem saber como
Sem pensar onde
Não procure qualquer prazer
Não dê sinais de cansaço
Ame como se fosse morrer se não amasse

E assim que terminar
Não saia até que ela respire novamente
Não durma até niná-la
E não se vista até passar da hora
Não tenha qualquer pudor
Com o corpo da mulher amada
Nem antes, nem durante nem depois
Trata-o como uma extensão do seu
E doe o seu como quem não precisa
Dele mais. Nunca mais

Ai meu coração, ouve a razão
Usa só sinceridade
Quem semeia vento, diz a razão
Colhe sempre tempestade