domingo, 9 de novembro de 2008

Do amor e da poesia

I

Não faça versos
Não sente em frente ao computador
Ou à mesa de trabalho
Encarando a tela vazia ou o papel em branco
Esperando versos
Eles não virão. Nunca
Versos não vem
Versos não vão
Versos são pedaços estáticos de tempo
Esquecidos no papel

Não pense no assunto de tua poesia
Não tente falar de flores
Não conta tuas aventuras amorosas
Não grita ao mundo teu desengano
Não descreve paisagem ou sentimento no poema
Não descreve, não escreve
Não rima, não versa, não lírico

Esqueça completamente da tua poesia
Para encontrá-la
Ora, peça, invoca, clama, chama, implora e
Espera

Paciente
Com
A
Cadência
Do
Mundo

Mostra-se disposto ao oferto pelo futuro
E não ao imposto pelo passado
E receberá o poema como
Jesus recebeu as chagas
Judas o seu destino
O mar vermelho os judeus
E a mãe concebe o filho
Após, basta guardá-lo consigo
Até estarem ambos suficiente
Mortos
Você para escrevê-lo
Ele para o suicídio

Erra por qualquer caminho. Mas não
Erra procurando o poema
Simplesmente erra pelo vento
Pela esquina, pelas casas antigas
Pela areia da praia, as praças do norte
Os mares do sul e tente sempre
Sempre
Errar por um beco
O motivo: não sei
Tenha fé

Fé em Deus, nos homens e no tempo
Sobretudo no tempo presente
Como me ensinaram Carlos e Fernando
Presta atenção em tudo
Na vida da mata e na morte do asfalto
Na sombra das árvores
No obscuro dos prédios
Na amplidão do mar
No cheiro do sal
No profundo do mangue

Observa
As cores das moças e rasgos dos jeans
Os bonés dos rapazes e fones de ouvido
Os bigodes dos cobradores de ônibus
Os vagabundos do Cais de Santa Rita
As Putas da Conselheiro
Os Travestis da Conde da Boa Vista
Os jovens no Bairro do Recife à noite
Ou nas praias de Boa Viagem à tarde
Ou no parque das Jaqueiras domingo

Mas sempre que sair
Não saia para encontrar nada disso
Saia para não saber, saia para ser incerto
Saia como a rede exposta
Que pega o que paira no ar
E não como a armadilha que espera a presa
Não tenha presa, não tenha pressa
Esquece completamente para quê saiu
Você saiu por sair

Ao voltar tome um banho
Longo - quente para relaxar
E depois frio para não dormir
E no caminho do banho lava a alma
E pensa em tudo que viu, em tudo
Que não sabia enxergar
E enxergou em meio ao vazio
À falta de preconceito, de procura, de resposta

Agora, se após o banho
Por acaso sentir uma vontade
Insaciável de repartir o vazio de si
Se um impulso incontrolável
De fazer não sei quê te assaltar
Não tem medo. Vá para a tela branca
Ou o papel vazio. Pega a caneta
Ou põe os dedos sobre o teclado
E observa
Lá estará um poema te esperando

Um comentário:

Anônimo disse...

Gostei muito desse. Muito mesmo.
Parabéns, poeta!