sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Carta ao Moribundo

Falecido,

Ouvi há pouco uma cantora dizer que tu vieste ao mundo para dar a esse uma lição de amor. E como precisamos dela hoje meu caro poeta. Tu morreste aos meus quatro anos de idade, se bem me recordo, e nesta época nada sabia eu de sua existência. Talvez eu tenha ouvido alguma música, é bem possível e espero que alegre teus santos saber que ela é pra ficar. Mas recordar não recordo.
Não conheci tua figura de homem, apenas tua figura de lenda; mas ouvi tua mensagem, e a ouço novamente tantas vezes quanto posso. Graças à Deus posso muito.
É, o mundo que vejo precisa demais duma lição de amor. E não pode ser pequena, tem que ser bem dada, tem que ser com sofrimento, como você sabia ensinar e ainda ensina em teus versos, em tuas músicas. As palavras que te dedico são digitadas, não sei se tu chegasse a fazer isso. É parecido com uma máquina de escrever, mas é bem mais fácil corrigir os erros. E eis aí o primeiro erro. O hábito de atropelar e esconder ou simplesmente deletar (uma palavra nova, significa apagar sem deixar qualquer rastro). Novamente, o hábito de atropelar e esconder ou simplesmente apagar os erros cresce a cada dia. Uma mania feia de felicidade perfeita, felicidade ideal. Estamos próximos do que a crê ser perfeição, e tem-se buscado isso com muito afinco. Pessoas ideais, amores ideais, sentimentos ideais. Você conheceu a televisão, mas acho que ignora a internet. Existem pessoas cada vez mais próximas da nossa privacidade nos dizendo o que queremos e vendendo justamente nossa maior necessidade.
Essa coisa de Internet é engraçada, ela é muito usada para nos aproximar das pessoas que julgamos ser aquelas que queremos perto e afastar as que estão perto deveras e ignoramos por nosso ideal. Outra coisa que anda supervalorizada: Nosso julgamento. Cada dia alguém se convence mais de que sua visão de mundo ou capacidade de julgamento é boa e correta. Não vejo mais pessoas cientes da própria ignorância. Todo dia morre um humilde. Como dirias tu: Que melancolia!
Bem, nessa história de aproximar quem está longe e afastar quem está perto com a internet tem gente sentindo tudo à distância. Palavras sinceras distantes, abraços sem braços, beijos sem bocas, expressões sem rosto, recados sem carteiro; mais - declarações sem olhar nos olhos e o pior - amor à distância do ser amado, por escolha! A fortuna nos desencontra tanto, e nós cada vez nos desencontrando por vontade própria. Creio até que a fortuna tem encontrado mais as pessoas com esperanças de que mudemos com seu exemplo.
E assim se tem vivido esse tempo de paz, como o sr. me disse numa música certa vez. Todos os nossos sentimentos estão protegidos pelas letras frias e a distância da tela. Os sentimentos andam fraco meu poeta. Estamos cada vez mais lógicos - Explicamos claramente nossas intenções, pomos termos e expomos claramente as condições de nosso amor antes e deixamos a mulher amada tranquilamente deliberar e ou modificar os termos supracitados. Enfim, reduzimos nossos sentimentos ao lógico, nosso amor ao compreensível, ao que cabe nas palavras que sabemos dizer, às negociações que podemos mentalizar. Reduzimos, em prol de nossa proteção, diminuimos para não sofrer nossa imensa capacidade de sentir. A única responsável pela nossa condição, a benção que Deus deu, arrependido por amaldiçoar-nos com a vida. Barganhamos nossos sentimentos, há sempre condições, há sempre termos, há sempre razões e motivos para sentir. Já fui tomado por porra loca incontáveis vezes no meu livre exercício de sentir livremente, sem maiores necessidades, deixando todas as consequências advirem dum sentimento. Simples, puro, ele mesmo.
E da tua lenda e das tuas músicas e de teus poemas eu criei minha fonte e norteei minha vida, moribundo duma figa. De agora em diante me comprometo a evocar teu santo todos os dias, depois de acordar e antes de dormir. Para que ele me acompanhe, me dê forças e permita mais uma vez, sem medo algum da cópia de estilo e intenção, chamar à minha boca as palavras de tua canção. Mais uma vez é preciso uma lição de amor, uma lição tão grande, um amor tão desesperado que toque o mundo, que toque toda e qualquer alma com medo de sofrer, pois prefiro morrer a viver neste mundo de medo. Meu peito bate apertado, e dói numa vontade seca de chorar sem lágrimas, meu poeta, quando penso nessa liberdade ao léo e tantos sem dar por ela. Tão sozinha!
Do momento presente para cada instante viverei de amor, unica e exclusivamente. E já dói, a simples perspectiva da empreitada é assustadora, desvairada. Mas ainda assim necessária. Ei de ser como tu, como ghandi, como Jesus, ei de amar, sofrer para amar, morrer para amar. Terei a fé, a fé maior que encaixa a tua vida na do próximo e o amor em tudo.
Com o coração espremido e as lágrimas roucas me despeço poeta, com tua benção, benção para chorar, benção para viver. Me despeço nestas palavras, pois minhas letras são uma forma minha de chorar. E que o amor preencha a minha vida e transborda pois que importa não é minha vida, mas a vida de minha irmandade e de minha prole, a vida de meus amigos e da gente nobre de peito, nobre por direito divino de ser pobre.

Amém e saravá meu amigo desconhecido e amado,

Diogo Marcos Testa

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