sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Do amor e do Vício

V

Em qualquer lugar dê vazão à teus desejos
Sob qualquer circunstância, se houver vontade
Durma. Não há qualquer vergonha nisso
Dormir é a necessidade mais natural do homem
E mal educado é aquele
Que perturba o sono alheio
Mais, digo até invejoso
O infame

Durma para ocupar o ócio
E durma para fugir ao serviço
Durma porque está cansado
E durma porque não fez nada
Durma porque acabou de amar
E durma para não se ver obrigado a recusar a mulher amada
Durma porque a tarde está quente
Ou porque está chuvosa
Enfim durma

Não seja exigente
Durma no chão, no chuveiro, na mesa
Principalmente se bêbado durma logo
Em um colchonete vagabundo
Uma cama de molas
Um colchão d'água
Ou o concreto da sarjeta
Durma em qualquer lugar
Com o mesmo prazer -
Entre dormir e acordar
O sono é sempre o mesmo

Agora cuidado, esparrama
Mas não meche em demasia
Ou quando acordar estará pior que quando
Foi dormir
Se roncar, ao menos adverte os desprevenidos
Antes
Prefira, claro, os encostos macios aos duros
Mas procure sempre certo equilíbrio
A sensação de acordar e não poder sair da cama
Tão mole
É semelhante a afogar-se

Cuidado com as janelas aonde for dormir
Se aonde dormir janelas houver
Dadas as circunstâncias
Pode acordar bronzeado
Ou encharcado
Reza por um sono pesado
Desses que se cair uma pedra na cabeça
Você não acorde
Antes um galo que um sono interrompido

Prefira não lembrar-se dos sonhos
Contenta-se em saber que os teve
E acordar com a estranha sensação
Que você voltou da realidade
E não para ela
Se lembrar-se dos sonhos
Pode achar que eles querem te dizer algo
E privar-se das próprias escolhas

Se possível, sempre que acordar
Tenha dormido cinco minutos
Tenha dormido dez anos
Sorri e lembra-se de tudo
Que passou para poder descansar
Procura alguma luz
Nem que seja para esconder-se
E pensa "Acordei. De novo"

Nenhum comentário: